Para os “leitores juvenis” deste jornal, passo a publicar esse pequeno artigo comentando duas obras de Ruth Rocha, renomada autora de literatura infantil, com vista a estabelecer um diálogo e motivar o interesse dos jovens leitores pelo caráter lúdico da leitura. Para tanto, vamos adentrar um pouco as linhas do texto, desfazendo o material de que este se constitui, as palavras e suas combinações, e, por meio delas, nos aproximarmos da substância viva e inesgotável sob seu véu: as idéias.
Por ser de um caráter didático, este texto se volta propriamente para você, estudante, supondo que já tenha certa familiaridade com os textos literários, e também para todos os que são amantes desse gênero.
Antes de começar, porém, queremos advertir que por se tratar de literatura infantil não vá o leitor considerar, em face de quem esse tipo de literatura se destina, como um gênero inferior, portanto não digno de atenção.
A primeira estória analisada será O piquenique do Catapimba. Numa publicação futura analisaremos outra obra Procurando firme. Esse texto se embasa num trabalho de conclusão de curso e as obras referidas podem ser encontradas na biblioteca municipal desta cidade, assim, fica como necessária a indicação da leitura da obra analisada para um boa entendimento.
Eis um breve traço da literatura de Ruth Rocha (autora cuja obra aludida analisaremos) nas palavras de Nelly Novaes Coelho:
Seus textos estão entre os que formam ou orientam o espírito da criança, pela consciente mensagem que transmitem, - seja através de valores éticos essenciais (como fraternidade, liberdade de pensamento, responsabilidade de ação, justiça, consciência crítica e questionadora, generosidade, tolerância e rigor, em seus naturais limites, etc.
Vamos à análise:
No livro O piquenique do Catapimba, Ruth Rocha trabalha o espírito comunitário. O enredo tematiza a convivência da criança que se encerra em certos grupos, restringindo a interação com a diversidade.
No enredo Catapimba reúne sua turma para um piquenique e o faz às escondidas da turma do Passa-por-cima, um time de futebol com o qual não tinha empatia. Coincidindo de os dois grupos irem fazer piquenique, deparam-se com uma situação-problema: um dos grupos trouxera apenas mantimentos, ao passo que o outro trouxera apenas utensílios. Esta situação imporá a necessidade de os grupos se unirem para resolver um problema comum.
A rua é o espaço que os distancia no dia-a-dia, estão em extremos opostos, dimensão que pode assumir uma conotação não apenas espacial, mas também social. Como sugestiona a referência rua de baixo.
A narrativa estrutura-se em estrofes. Interessante notar que enquanto estão na cidade, lidando com os preparatórios, a narrativa flui em versos brancos – o foco é de terceira pessoa. Porém, quando se afastam do espaço urbano, indo ao piquenique, as estrofes ganham rima, como a assimilar a melodia da natureza na passagem pelo campo, ou, ainda, como sugestão da nostalgia das personagens por estarem juntas. Como afirma o narrador “quando a gente está junto tudo parece bacana.”
Manifesta-se, assim, um trabalho estético no texto, onde se define duas etapas: a primeira configurada pela ausência de rimas, aludindo a um estar só. A segunda, ritmada, como a projetar na estrutura da narrativa o ânimo das personagens encetado pela união. Não se gera nenhum conflito interpessoal nas personagens. Há a tensão provocada pelo surgimento de uma necessidade comum, o que levará a quebra de um “estatus quo”: ao início da narração os grupos não se falavam, ao final estarão juntos. A ação coletiva soluciona o problema. A necessidade do outro é sanada acompanhada de um benefício recíproco.
Ao final da história permanece a idéia de que a prática cooperativa gera rupturas nas relações que impedem convivência, sendo a ação coletiva a melhor maneira de superar situações-problema.
Por meio dessa história, a criança entra em contato com um preceito futuramente importante para sua vida social: a ação coletiva. Através do lúdico acrescenta-se algo à criança no momento da leitura. Da formação do conceito ela pode partir para ação empírica, pois a realidade fictícia mantém pontos de contato com aquela.
A escolha desta singela narrativa, O piquenique do Catapimba, tem a intenção de demonstrar que, por mais simples que uma narrativa possa se apresentar a nós, em se tratando de literatura, dela podemos extrair reflexões consideráveis para a vida.
Apreciar o texto é isso: irmos além da linearidade do texto, supormos o não dito por meio do que está expresso. “Os textos são porões de significado” – disse certa vez um grande professor de Latim, Everton A..
Como abrir a porta desses porões? Buscando incessantemente o segredo das palavras.
(Danilo Pereira Fernandes)
Graduado em Letras/Português-Literatura pela UECE – FECLI.



